segunda-feira, 29 de abril de 2013

Little Manhattan

   Às vezes eu queria ser um R. Sei lá, é uma letra bonita, uma letra decidida que sabe o que quer e faz acontecer, inspirada e inspiradora, tem as palavras certas para acalmar qualquer eu desavisado... Só que é tão bom ser D, todo barrigudinho, simpático, fechado, mas cheio, como se fosse uma alça esperando uma mão a levar pro mundo, sem muito medo de ter medo, porque sempre depois vem um E, que como um pente de três dentes me acalenta com um cafuné. E qualquer semelhança, pode ter certeza, é mera coincidência. 



quinta-feira, 25 de abril de 2013

Caleidoscópio


   Eu não sei falar francês, não sei fazer biquinho. Ouço uma sinfonia de ruídos, não faço música por conta própria. Não ronco, na verdade minha unha é encravada. Às vezes eu não gosto de tomar banho, às vezes eu gosto. Não vejo a hora de sair sem rumo, procurando o meu rumo. Não tenho medo de baratas, nem nojo, convivo bem com baratas. Sou palhaço, mas não conto piadas. Sorrio muito, mas é muito difícil me fazer dar gargalhadas. Bebo no gargalo. Não tenho nenhum charme, só carmas. Gosto de cheiro de roupa de cama limpa e adoro sujar. Não sei nem desenhar nem dar estrelas. Aprendi a ler muito novo e desde lá não esqueci. Esqueci como que anda de bicicleta. Tropeço e não disfarço. Faço birras. Não como legumes se me mandarem. Sou chato. Sou feio. Sou acostumado com o que eu sou. Quase não tenho cicatriz, nem infância. Assisto filmes, torneiras pingando e a vida passar. Eu me sento torto e você, como se sente?



Outra faca, outros gumes


  Querido Diário.

   Até você é mais querido que eu, você pelo menos tem alguém em quem confiar, sabe que toda noite venho aqui, com a maquiagem borrada de tanto chorar pra chorar mais um pouco, mas eu não posso confiar em você! Você não tem critérios pra quais digitais você pode mostrar seu conteúdo, eu ainda tenho. Na verdade tinha.

   Passei a minha vida inteira repetindo pra mim mesma ‘NÃO CONFIE NAS PESSOAS’, cresci sozinha, andei sozinha, descobri o mundo sozinha, vivi auto-suficiente. Mas aí, ao primeiro sorriso e quando eu pela primeira vez ouvi a palavra ‘amiga’ sendo direcionada a mim, me pareceu tão sincero, e me abri. Me abri como se fosse um jornal pronto pra ser lido por algum velhinho simpático na praça. Ela me leu, me conhecia, conhecia meu passado, meu futuro, e o pior, conhecia o presente.

   Meu presente não é uma dádiva, estou em fase de crescimento, de acertar pouco e errar muito... Ou melhor, independente de estar acertando ou errando, eu estou vivendo, e ninguém deveria se preocupar com meus atos, até parecem que nunca erraram... 


   Não consigo aceitar o fato de que as pessoas são más, então gosto muito da idéia que foi por acidente, que ela não teve a intenção de acabar comigo, por mais que os indícios levem à outra conclusão... Corro sérios riscos. Corro até o risco de ficar bem, de dar a volta por cima, de mostrar quem é que eu sou de verdade, mas por ora não tenho forças, nem preciso fazer isso. Sei quem eu sou. Enquanto isso, vou mastigando o gelo que estou te dando junto com todo o sentimento que eu tinha por você, talvez eu engula tudo, ou talvez eu cuspa tudo na sua cara, se você fosse realmente esperta como acha que é, não teria feito o que fez.  Amizade não é nenhum cristal que quando quebra... Não! Cristais pelo menos existem!

quarta-feira, 24 de abril de 2013

Ponta do iceberg


  Sabe aqueles insetos que na primavera invadem o seu quarto e ficam rodeando a lâmpada? Sou mais ou menos assim na vida, fico buscando uma luz... Só que as luzes se apagam, e eu perco meu rumo. Aliás, eu não faço a menor ideia do que eu to fazendo com a minha vida. Se algum dia eu pudesse dialogar com minha versão criança, acho que eu teria orgulho do que me transformei, mas se eu pudesse encontrar com o meu futuro, provavelmente teria vergonha de algumas decisões que eu tomei pra me tornar o que eu serei. Mas dizem que é assim mesmo, você só aprende quando erra, só levanta quando cai... Você cresce com algumas escoriações e esfolados, mas cresce. Será que vale a pena chegar ao destino independente do caminho?

terça-feira, 23 de abril de 2013

Cena 6 - Tentativas

RICARDO -

   Eu não te conheci como costumam se conhecer os amantes que têm assim mais ou menos a nossa idade. Você não olhou pra mim na luz confusa da pista de dança, nossos olhares não se raptaram, nós não conversamos a conversa dos que se querem.

   Me desculpa.

   Daí eu não te sorri sorrisos interessados nem fiz meu corpo falar coisas que a boca geralmente cala. Eu não te dei um primeiro beijo, nem um segundo, nem um terceiro. Depois eu não te dei meu telefone na expectativa de marcarmos outro encontro.

   Por isso nós jogamos o jogo da sedução: eu não te mandei mensagens discretamente tomadas pelo primeiro encantamento, não te convidei pra sair, então nós não fomos ao cinema nem tomamos café depois do filme. Não ficamos conversando sobre gostos artísticos, emotivos e tudo mais que descobrimos em comum, enquanto o café não vinha. Nós também não percebemos, sem dizer, afetos e carinhos discretos e mútuos. Eu não fiquei tentando prolongar o tchau só pra passar mais alguns minutos perto de você.

   Me desculpa.

   Nós não trocamos as palavras irresistíveis e ridículas das cartas de amor, de modo que eu não antevi nosso relacionamento, não fiz planos para um futuro que te incluía, não pensei nos lugares para os quais poderíamos viajar, não me satisfiz com a ideia das peças e dos shows que veríamos juntos ou nem sequer das músicas que poderíamos compartilhar.

   Eu nunca te mandei uma música de amor.

   Me desculpa.

   Nós não demos risada um do outro por motivos bobos, não nos achamos um casal bonito nos olhando no espelho, não tiramos fotos, não inventamos apelidos especiais e bestas, não fizemos piadas internas, não sentimos ciúmes, nem nos queremos com exclusividade.

   Nada disso aconteceu entre nós.

   Então me desculpa. Me desculpa por estar dizendo isso aqui neste carro, bêbado, a esta hora da madrugada, de repente, desse jeito. Me desculpa por estragar a nossa relação, ou pelo menos essa relação que você devia achar que a gente tinha e a gente tinha mesmo só que em mim era diferente e incontrolável.

   Mas te vendo hoje beijando ela, o míssil que me devastou me disse que eu não conseguia mais - já é uma dor física. Me desculpa.

   Agora, se nada disso nunca aconteceu com você, por que eu fui me percebendo apaixonado por você, sozinho? Eu não sei. Mas, se eu tivesse que supor, diria que essa convulsão que eu chego a sentir no estômago feito cólica, ao mesmo tempo que é um sentimento meu, deve ser também um mérito da pessoa que você é. Como se, com tanta gente desinteressante no mundo, a presença de alguém tão especial só pudesse gerar essa resposta, só pudesse ser retribuída com paixão.

   E amor assim, tão espontâneo e tão imprevisto e que vive ganhando tão pouco em troca, deve ser no final das contas pelo menos um sentimento bom.





Música Para Cortar Os Pulsos (monólogos sentimentais para corações juvenis) - GOMES, Rafael.  Leya. 2012.