Adélia Prado
Louvação para uma cor
O amarelo faz decorrer de si os mamões e sua polpa,
o amarelo furável.
Ao meio-fia as abelhas, o doce ferrão e o mel.
Os ovos todos e seu núcleo, o óvulo.
Este, dentro, o minúsculo.
Da negritude das vísceras cegas,
amarelo e quente, o minúsculo ponto,
o grão luminoso.
Distende e amacia em bátegas
a pura luz de seu nome,
a cor tropicordiosa.
Acende o cio,
é uma flauta encantada,
um oboé em Bach.
O amarelo engendra.
Roxo
Roxo aperta.
Roxo é travoso e estreito.
Roxo é a cordis, vexatório,
uma doidura para amanhecer.
A paixão de Jesus é roxa e branca,
pertinho da alegria.
Roxo é travoso, vai madurecer.
Roxo é bonito e eu gosto.
Gosta dele o amarelo.
O céu roxeia de manhã e de tarde,
uma rosa vermelha envelhecendo.
Cavalgo caçando roxo,
lembrança triste, bonina.
Campeio amor pra roxeamar paixonada,
o roxo por gosto e sina.
Aura
Em maio a tarde não arde
em maio a tarde não dura
em maio a tarde fulgura.
Tentação em maio
Maio se extingue
e com tal luz
e de tal forma se extingue
que um pecado oculto me sugere:
não olhe porque maio não é seu.
Ninguém se livra de maio.
Encantados todos viram as cabeças:
Do que é mesmo que falávamos?
Da tua luz eterna, ó maio,
rosa que se fecha sem fanar-se.
Murilo Mendes
"eu estou no meu corpo" - Panorama
Reflexão Nº1
Ninguém sonha duas vezes o mesmo sonho
Ninguém se banha duas vezes no mesmo rio
Nem ama duas vezes a mesma mulher
Deus de onde deriva
É a circulação e o movimento infinito.
Ainda não estamos habituados com o mundo
Nascer é muito comprido.
Drummond
"Tenho apenas duas mãos
e o sentimento do mundo"