terça-feira, 23 de abril de 2013

Cena 6 - Tentativas

RICARDO -

   Eu não te conheci como costumam se conhecer os amantes que têm assim mais ou menos a nossa idade. Você não olhou pra mim na luz confusa da pista de dança, nossos olhares não se raptaram, nós não conversamos a conversa dos que se querem.

   Me desculpa.

   Daí eu não te sorri sorrisos interessados nem fiz meu corpo falar coisas que a boca geralmente cala. Eu não te dei um primeiro beijo, nem um segundo, nem um terceiro. Depois eu não te dei meu telefone na expectativa de marcarmos outro encontro.

   Por isso nós jogamos o jogo da sedução: eu não te mandei mensagens discretamente tomadas pelo primeiro encantamento, não te convidei pra sair, então nós não fomos ao cinema nem tomamos café depois do filme. Não ficamos conversando sobre gostos artísticos, emotivos e tudo mais que descobrimos em comum, enquanto o café não vinha. Nós também não percebemos, sem dizer, afetos e carinhos discretos e mútuos. Eu não fiquei tentando prolongar o tchau só pra passar mais alguns minutos perto de você.

   Me desculpa.

   Nós não trocamos as palavras irresistíveis e ridículas das cartas de amor, de modo que eu não antevi nosso relacionamento, não fiz planos para um futuro que te incluía, não pensei nos lugares para os quais poderíamos viajar, não me satisfiz com a ideia das peças e dos shows que veríamos juntos ou nem sequer das músicas que poderíamos compartilhar.

   Eu nunca te mandei uma música de amor.

   Me desculpa.

   Nós não demos risada um do outro por motivos bobos, não nos achamos um casal bonito nos olhando no espelho, não tiramos fotos, não inventamos apelidos especiais e bestas, não fizemos piadas internas, não sentimos ciúmes, nem nos queremos com exclusividade.

   Nada disso aconteceu entre nós.

   Então me desculpa. Me desculpa por estar dizendo isso aqui neste carro, bêbado, a esta hora da madrugada, de repente, desse jeito. Me desculpa por estragar a nossa relação, ou pelo menos essa relação que você devia achar que a gente tinha e a gente tinha mesmo só que em mim era diferente e incontrolável.

   Mas te vendo hoje beijando ela, o míssil que me devastou me disse que eu não conseguia mais - já é uma dor física. Me desculpa.

   Agora, se nada disso nunca aconteceu com você, por que eu fui me percebendo apaixonado por você, sozinho? Eu não sei. Mas, se eu tivesse que supor, diria que essa convulsão que eu chego a sentir no estômago feito cólica, ao mesmo tempo que é um sentimento meu, deve ser também um mérito da pessoa que você é. Como se, com tanta gente desinteressante no mundo, a presença de alguém tão especial só pudesse gerar essa resposta, só pudesse ser retribuída com paixão.

   E amor assim, tão espontâneo e tão imprevisto e que vive ganhando tão pouco em troca, deve ser no final das contas pelo menos um sentimento bom.





Música Para Cortar Os Pulsos (monólogos sentimentais para corações juvenis) - GOMES, Rafael.  Leya. 2012. 

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