terça-feira, 16 de dezembro de 2014

o dia que Antônio Prata me definiu

     Se o mundo tivesse algum sentido não seria possível existir o nome Douglas. Fale em voz alta. Douglas. Douglas-Douglas-Douglas. Você está percebendo? Está sentindo? Às vezes acordo e me pergunto se não era sonho, se é realmente possível existirem Douglas.

     Todos os nomes são homogêneos, trazem uma ideia de forma, cor, textura. Ari é uma pequena pedra, uma brita, é cinza. Lúcia começa larga e vai afinando, é um nome pontiagudo, como uma adaga, como uma estalactite de gelo, e é azul escuro ou vinho. Leopoldo é um nome obeso, marrom. Teria de fazer muito cooper para até se tornar um Leonardo, arisco e laranja. Leopoldo é foca. Leonardo é leão. Ana é nome casto, virgem. Ana é tão branco que talvez seja transparente. Não dá pra ficar bravo com uma Ana. É um nome sem odores. Tão diferente de Murilo, que com certeza tem chulé. Murilo é um nome cheio de musgo em volta, é úmido, é verde. Cada um desses nomes tem sua unidade, como se fosse uma estrutura interna, uma coerência. Douglas não.

     É como se Douglas fosse uma matéria mista de silicone e aço. Quente e frio, claro e escuro, mole e duro ao mesmo tempo. Dá pra imaginar? Não dá. Há anos que venho repetindo esse nome. No trânsito, no banho, em filas de cinema ou no banco, sempre que uma ideia saiu e outra não chegou, ele aparece: intrépido Douglas. Ou, às vezes, no meio de uma ideia, de um texto ele entra sem pedir licença, e meus lábios expelem, movidos por forças ocultas: Douglas.

     Dou. Doooouuuu. Dou é pronunciado aveludadamente pela boca. Dou é a pronúncia da nota dó em inglês. A nota mais grave do piano. Dou sai como uma bola de sabão. Dou expande-se. Dou é mole como um travesseiro, é macio, é escuro. Dou é o movimento de expansão do universo. Ao mesmo tempo em que Dou é isso tudo, ele é vizinho de glas. 

     Glas é rápido e pontiagudo. Glas é um copo quebrando no instante em que toca o chão e parte-se. E, vejam só, glass é vidro em inglês. Glas é cor cítrica, amarelo de marca-texto. Glas é azedo, é contração. Glas é o que pode haver mais antagônico a Dou. E, no entanto, eles vivem juntos: Douglas. 

     [...] Tenho a sensação que levarei essas indagações para o túmulo. E se chegar do outro lado e houver céu, não tenham dúvidas sobre qual será a minha primeira pergunta para Deus. Juro, não me espantarei se, após expor minhas mais profundas indagações, Deus estender a mão e disser: olá, como vai? Eu me chamo Douglas. 

rsrsrsrsrsrsrsrsr.

Douglas e Outras Histórias. Antônio Prata. Azougue Editorial, 2001.

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